quarta-feira, 1 de julho de 2009

Um olhar alternativo: Rubem Alves conversa com empresários

Exerço a arte com prazer
- Rubem Alves

Por vezes, é saudável e enriquecedor obter leituras alternativas de nossas opções, produções e atividades específicas, feitas por pessoas com outras atividades específicas completamente diferentes. Atitude que se assemelha, algo assim, a uma empresa chamar um consultor externo de uma indústria diferente da sua, para obter um diagnóstico sobre a generalidade ou um dado aspecto de sua atividade; estranho? Para começo, talvez não tanto. Na realidade, “o outro” irá lançar, sobre o objeto analisado, um olhar com referenciais que também não são aqueles a que ele está habituado, e o diálogo entre eles soa a descoberta.

Quando duas realidades diferentes se olham, cada uma suspende as rotinas próprias de seu próprio território: é a perspectiva que está faltando, o olhar do outro, a interrogação que precede a descoberta. Com efeito, o “outro” irá mostrar, com outros olhos, aspectos surpreendentes de nossa própria realidade, escondidos por nossas próprias certezas imutáveis e nossa ilusória zona de conforto; e também por nossa própria incapacidade de ousar além da rotina.

Vamos tentar dialogar hoje com o educador, filósofo, escritor e psicanalista mineiro Rubem Alves, mas nem um pouco afastados dos ventos que sopram nos conceitos e práticas de ponta em Gestão estratégica. Veremos mais na frente por que, uma vez que pensamento estratégico e pensamento educacional constituem dois campos do saber sem aparente ligação, a não ser no que diz respeito ao ensino na área de Administração.

Há 50 anos atrás, tanto no mundo das empresas como no contexto da educação superior e produção científica, produzir semelhante declaração seria olhado como uma autêntica manifestação de heresia, se não fosse até, interpretada de um modo bem pior: como absoluta ignorância do cálido conforto, isolado e metodológico da especificidade disciplinar que é, afinal, a matriz do paradigma científico ainda atual, com poucas diferenças desde o século dezessete.

Apesar de baleados pelos olhares céticos, frios e imutáveis, remanescentes de uma Ciência que permanece vitoriana em muitos aspectos, existem hoje, na Filosofia da Ciência, modelos e paradigmas que já permitem, com uma boa margem de segurança conceitual e metodológica, não só integrar na pesquisa e interpretação dos dados a visão de outras disciplinas do saber (interdisciplinaridade), num contexto de um diálogo multidisciplinar cada vez mais intenso, mas também explorar o que existe no espaço, ainda indeterminado e desconhecido, existente entre a fragmentação das disciplinas e além delas, o que seria uma abordagem considerada transdisciplinar (NICOLESCU, 2000). Seja como for, encontra-se a caminho, sem dúvida, uma nova epistemologia, ainda de contornos indefinidos – e que talvez, propositadamente, nunca venham mesmo a ser definidos – cujas fronteiras entre teoria e prática, entre conceito e resultado, entre metodologia e empirismo serão bastante mais fluidas do que as de hoje sem, contudo, perderem profundidade na análise ou acuidade na penetração do eterno desconhecido a que, conformadamente, chamamos de “realidade”.

Com efeito, desde aproximadamente a segunda metade do século vinte, começaram a emergir outras visões e paradigmas sobre epistemologia, conceito e metodologia científica. E, em simultâneo, tal como sucedeu com outras áreas e campos do conhecimento, sobre a natureza, papel e desempenho da Administração que – talvez possa dizer-se – ressuscitou como Gestão (Management) ao longo desse período. Com efeito, a Gestão contemporânea constitui um centro complexo de conceitos e práticas cujos contornos atuais diferem absolutamente da “Administração” clássica. No processo de transfiguração da Administração clássica para a Gestão de hoje contribuíram inúmeros autores, de diversas proveniências e continentes, de McGregor a Mintzberg, de Drucker a Prahalad, de Maslow a Porter, alguns mais heréticos, outros não tanto, mas que no conjunto, por sua visão aberta, pensamento penetrante e coragem para romper paradigmas e assumir as consequências, ajudaram a modelar as bases do que está já sendo conhecido hoje internacionalmente por “Management 2.0”: a Gestão 2.0, ou Gestão do Futuro (HAMEL, 2007). E que, repita-se, pouco tem a ver, a não ser em suas remotas origens, com o que muitos profissionais, estudantes e até professores chamam de “Administração”.Voltando ao objeto principal deste artigo: Rubem Alves.

No Brasil, muitos desconhecem e muitos conhecem Rubem Alves (biografia), sobretudo a partir do mundo da educação e da literatura infantil, ou de entrevistas na mídia. Filósofo da vida bem vivida (carpe diem), filósofo da educação, educador filósofo; filósofo das letras, jogando e divertindo-se com elas, como uma criança se diverte com uma pipa colorida; místico filosófico sem praia exclusiva ou reservada; autor, observador, ator e personagem do Zeitgeist, Rubem Alves é produtor de um pensamento alternativo, aqui no sentido mais elaborado do que o comum: o educador que pensa e se repensa constantemente, e se desdobra em diversos “outros”, capazes de se olharem mutuamente sem, porém, perderem a noção da individualidade. E porque o próprio termo “alternativo” se origina no latim “alter” que significa, justamente, “o outro”. Talvez por isso, e porque em busca de diversas objetividades não conflitantes com a Ciência, mas além dela, que Rubem Alves tanto admira e cita Fernando Pessoa, sobretudo com Alberto Caeiro um dos heterônimos pessoanos. E tudo isso, numa altura em que, não muito longe dele, no universo mental dos rebeldes intelectuais urbi et orbi, muitos gurus da Gestão, já incorporado nesta o pensamento estratégico permanente, advogam a inovação permanente como condição sine qua non para a sobrevivência das empresas: porém, não qualquer inovação superficial sujeita à moda, mas inovação nas crenças e princípios básicos da própria gestão (como “Administração”), como sugere Hamel:

Você por exemplo, acharia provavelmente mais fácil ajustar suas preferências relativas à moda, do que mudar suas convicções religiosas. Da mesma forma, a maioria dos executivos acha mais fácil reconhecer os méritos de um modelo de negócios completamente fora do comum, do que abandonar os princípios fundamentais de suas crenças em matéria de gestão. (HAMEL 2007, p. 34)

Justamente, é este olhar desconstrutor de pensamentos consolidados sobre isto e aquilo, capaz de reinventar e inovar sem limites, que pode aplicar-se a quase tudo na vida dos indivíduos ou das organizações, inclusive na educação de crianças e de adultos, que se encontra permeando a obra de Rubem Alves e que, mais do nunca, é necessário, não só para a boa gestão das organizações, mas para lidar com as sociedades complexas de hoje, no sentido que Morin dá ao termo: «Complexo é o que é tecido em conjunto». Numa entrevista concedida à revista do SINPRO-RS em março de 2002, Rubem Alves declara:

[...] o maior problema da educação brasileira: ela não está ensinando o povo a pensar. O objetivo da educação é ensinar a pensar, não é dar informações. As informações são como a peças de um jogo de xadrez. Quem só tem as peças não sabe coisa alguma. O que importa é a dança das peças nos espaços vazios. Assim é o pensamento. Conheço pessoas que sabem uma infinidade de coisas – parecem-se enciclopédias – mas não sabem pensar. O seu saber é inútil.

Particularmente, é em Conversa com empresários que Alves mostra seu olhar atento às coisas importantes que, no mundo atual, estão em mutação, em metamorfose, conversando sobre o que chama de “filosofia das empresas” e, justamente, com uma excelente nitidez, contemporaneidade e poder de observação. Do mesmo modo, nunca talvez como hoje a Gestão e a problemática geral das organizações foi tanto campo de encontro transversal e interdisciplinar entre filosofia e pensamento, entre teoria e prática, a ponto de o grupo de gurus que nos dá conta Hamel (25 Stretch goals for management) em seu blog na Harvard Business preconizar mudanças… surpreendentes na filosofia e gestão das empresas e outras organizações. Ficamos com a visão de Rubem Alves sobre o que está acontecendo de (r)evolucionário no mundo da empresas e, por conseguinte, da gestão delas, numa perspectiva, aliás, que se identifica também com os conceitos e tendências atuais no que respeita a Governança e Responsabilidade Social das empresas e organizações:

A filosofia das empresas passou por três fases. A primeira é representada pelo filme Tempos Modernos, de Chaplin - em que a única coisa que interessava às empresas era o lucro: nenhuma preocupação com a vida dos empregados, que eram tratados como engrenagens de uma máquina; nenhuma preocupação com o meio ambiente, que podia ser degradado impunemente. É a empresa "máquina".

A segunda fase está descrita no livro The Organization Man, de Whyte Jr. - em que a empresa descobre a importância de que seus empregados se sintam bem dentro dela. Fazem-se todos os esforços no sentido de que eles tenham relações harmoniosas entre si e se identifiquem afetivamente com os interesses da empresa. A empresa deve ser o mundo do empregado e a imaginação do empregado deve estar restrita ao mundo da empresa. É a empresa "família", auto-suficiente e fechada em si mesma.

A terceira fase, que é a que estamos vivendo no momento, se caracteriza por uma revolução de valores. Se, na primeira e na segunda fases a empresa olhava para o mundo exterior apenas como "mercado", isto é, lugar do lucro, agora ela olha para o mundo exterior como um espaço de vida de que é preciso cuidar. Às relações comerciais agrega-se agora uma dimensão ética: o cuidado com o meio ambiente, a cultura, a educação, o bem-estar, não só dos empregados mas de toda a comunidade que a cerca.

A empresa se descobre como companheira, junto com outros homens, de um espaço comum que deve ser objeto de cuidado, pois o que está em jogo é a qualidade de vida. É a empresa "cuidadora" ou, se quiserem, numa linguagem poética, empresa "jardineira"... Gosto da imagem da jardinagem como metáfora para essa relação de cuidado com o meio ambiente e com as relações entre as pessoas. Isso quer dizer que, ao lado do motivo financeiro "lucro" as empresas estão trabalhando sob motivos éticos.

Penso que os empresários, como "regentes de orquestra", poderiam pensar um programa educativo para os seus "músicos" em três movimentos:

Primeiro movimento: "A empresa: lugar bom de se viver".
Segundo movimento: "A empresa: lugar bom de se pensar..."
Terceiro movimento: "A empresa: cuidadora do mundo".


(ALVES, R. A casa de Rubem Alves: Carpe diem. Conversas com empresários. Disponível em http://www.rubemalves.com.br/conversacomempresarios.htm. Acesso em 10-06-2009).



Referências:

A CASA DE RUBEM ALVES. Sítio na internet. Disponível em http://www.rubemalves.com.br/ . Acesso em 10-06-2009.
DRUCKER, P. F. The Practice of Management. 5ª Ed. Londres: Pan Books, 1972.
DRUCKER, P. F. Desafios gerenciais para o século XXI. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1999.
NICOLESCU, B. Um novo tipo de conhecimento - Transdisciplinaridade. In: NICOLESCU, B., PINEAU, G., MATURANA, H., RANDOM M., e TAYLOR, P. Educação e Transdisciplinaridade. Edições Unesco: Brasília, 2000. p. 13-29.
HAMEL, G. The future of management. Boston: Harvard Business School Press, 2007.
HAMEL, G. 25 Stretch Goals for Management. HBR voices: Gary Hamel. Harvard Business Publishing. Disponível em:
http://blogs.harvardbusiness.org/hbr/hamel/2009/02/25_stretch_goals_for_managemen.html . Acesso em 14-06-2009.

Crédito das fotos de Rubem Alves: Editora Papirus (topo); Revista Época (abaixo)


Algumas entrevistas estimulantes com Rubem Alves

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