sexta-feira, 23 de julho de 2010

Novo blog: o estado da arte

Prezados amigos e leitores

Este blog foi descontinuado durante algum tempo, mas as solicitações de amigos e a necessidade de continuar a enfatizar alguns aspectos que acho importantes na Gestão, e particularmente em Gestão Estratégica, levaram-me a encarar novamente essa tarefa. E, para recomeçar, preferi criar um novo blog, mas no WordPress, cujo funcionamento prefiro ao Blogger. Aqui vai o link: http://oestadodarte.wordpress.com/

Grato pela atenção e carinho, vamos decerto encontrar-nos no novo blog.

Alberto

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Referências: gurus, idéias e teorias


Gurus da Gestão


Algo que aconselho sempre a meus alunos e aos jovens com quem converso a respeito de empregabilidade e tendências mundiais, é aprenderem, senão diversas línguas estrangeiras, pelo menos a língua inglesa; e mais outra, se possível.

Atualmente, tanto na Europa como no Japão, nos EUA ou no Canadá, a maior parte dos caçadores de cabeças executivas e das oportunidades de emprego exigem a fluência escrita e falada de pelo menos duas línguas além do idioma materno.
Entre as quais, o inglês. Na China, a aprendizagem desse idioma é obrigatória desde um nível escolar básico.

Quer se goste, quer não, o inglês é língua franca universal, não só no mundo dos negócios, mas também no mundo da produção científica e, através dele, o mundo abre-se em informação sobre quase tudo o que existe. A constatação da onipresença da língua inglesa não implica, obviamente, que se abdique de sua própria língua, cultura ou identidade, ou até que se faça o possível por valorizá-la e expandi-la, o que é absolutamente lícito e desejável num contexto global.

A globalização cultural, que permite aos cidadãos do planeta - infelizmente, não todos, o que não pode ser esquecido nem abandonado com projeto permanente de dignificação do ser humano - faz-se através um "medium" linguístico privilegiado, mas também oferece a oportunidade da emergência de outras línguas e dos diferentes aspectos étnicos e culturais: um exemplo é a própria comunidade indígena no Brasil, que se vem organizando nos últimos anos, e que hoje tem blogs e websites onde qualquer um pode conhecer melhor as características de cada nação indígena, até de cada tribo, seus mitos, ritos, costumes, tradições, algo que, anteriormente, estava apenas na mão de poucos especialistas em universidades, ou de simpatizantes da causa indígena.

Esta introdução serve para apresentar aos leitores de O ESTADO DA ARS, a oportunidade de ler, (embora em inglês, mas) diretamente de uma fonte conceituada, sobre os grandes nomes, vulgo gurus da gestão estratégica, liderança, inovação, enfim, todos os aspectos e áreas do conhecimento que convergem naquilo a que se chama internacionalmente de Management e, no Brasil, de Administração (nome clássico, muito limitativo, em minha opinião) ou de Gestão (que tem uma conotação mais contemporânea e algo diferente). O site da célebre revista britânica The Economist dispõe de alguns links com artigos sobre gurus da Gestão ou suas obras e teorias, entre os quais os que encontrei abaixo:


- Peter Drucker
- Primórdios da sociologia e do pensamento organizacional: Max Weber
- Taylor e a gestão "científica"
- Elton Mayo e Hawthorne, ou os primórdios do comportamento organizacional
- Maslow e a hierarquia das necessidades na motivação para o trabalho
- Alfred P. Sloan: Gestão começou na prática
- Douglas McGregor e as Teorias X e Y
- Theodore Levitt

- Alvin Toffler e a análise de tendências
- Alfred Chandler
- Herbert Simon: cibernética e comportamento organizacional
- Michael Hammer, a reengenharia de processos e o famigerado downsizing
- Hamel e Prahalad e as competências essenciais
- Kenichi Omae
- Tom Peters: a busca da excelência
- Peter Schwartz, Pierre Wack (link para artigo em Strategy and Business) e o planejamento por cenários
- Jim Collins e a durabilidade das organizações
- Charles Handy
- Michael Porter, vantagem competitiva e perfil de seu trabalho (1994)
- Philip Kotler
- Konosuke Matshushita
- Kaplan e Norton e o balanced scorecard
- Sumantra Goshal
- Christensen e a inovação de ruptura
- Eliott Jacques: cultura, responsabilidades e estratégia
- Henri Mintzberg







quinta-feira, 30 de julho de 2009

Revisitando: Estratégia e Pessoas

O envelhecimento da gestão numa organização e a consequente e progressiva perda da capacidade de pensar e agir estrategicamente, dá-se à medida que a preferência pela inserção de técnicas e métodos aumenta, em detrimento de uma cultura organizacional pró-ativa, inovadora, flexível e impregnada de DNA estratégico.

No ser humano, um organismo muito jovem pode ter até 80% de água, ao passo que, num idoso, essa percentagem vai reduzindo-se até chegar a 50% da matéria total. Do mesmo modo, pode dizer-se que a gestão estratégica tônica, jovem, saudável, tem algo como 80% de cultura organizacional e apenas 20% de técnica e metodologia - não confundir com tecnologia.

Numa organização saudável, o pensamento estratégico deve estar no DNA da organização, ou antes, dentro de cada ator institucional, mas em primeiríssimo lugar nos decisores e demais gestores. Isto, porque empresas e outras instituições são feitas apenas por pessoas: tudo o mais é recurso material. Por esse motivo, estratégia e pessoas é melhor do que estratégia e modelos de gestão estratégica. Pensamento estratégico e pessoas, funciona; modelos estratégicos (ou de planejamento estratégico) e pessoas nem sempre funciona.

E por quê? Porque apenas pessoas são capazes de analisar, pensar, ponderar e mudar uma dada realidade. Estratégia implica sempre mudança. Modelos não pensam, nem refletem uma realidade específica: eles são genéricos e são resultados de processos mentais pré-estruturados a partir de formulações e testes realizados em organizações diferentes da sua, em lugares diferentes do seu, e em um tempo anterior ao seu. Sua realidade como gestor, coordenador, decisor, empresário, etc., é o hoje, é o aqui e o agora, numa organização com uma identidade diferente de qualquer outra, e com um cenário externo também distinto de outro caso qualquer.

Então, para fazer algo parecido com gestão estratégica, precisa pensar estrategicamente e precisa fazer todo o time pensar estrategicamente em todos os quadrantes da organização; impregnar todos desse DNA, essa cultura, como se quiser chamar; e esquecer aquela velha máxima da Revolução Industrial: “Empregado não é pago para pensar”.


Se em 2009 você ainda pensa que cada empregado da sua organização não precisa pensar, não vai conseguir fazer gestão de verdade nos dias de hoje com um mínimo de sucesso; ou seja, obter resultados. Gestão estratégica importa, porque resultados importam. Pessoas importam, afinal.

- Adaptado de Estratégia e Pessoas em O estado da ARS (26-05-2009)

A arte da inovação: Guy Kawasaki

A última edição do boletim eletrônico da Wharton-Universia (29-07 a 25-08), publicado ontem, vem com três artigos com elementos que achei muito interessantes e indissociáveis do mundo prático e conceitual da estratégia organizacional: inovação, mudança, liderança. Vamos ver hoje o primeiro, que é sobre o case pessoal de Guy Kawasaki e seus dez mandamentos da inovação, apresentados numa recente palestra na Universidade da Pensilvânia. Kawasaki discursou durante o congresso que assinalou o 20º aniversário do programa de Mestrado Executivo em Gestão de Tecnologia. A palestra, intitulada A arte da inovação, consistiu num manifesto de dez pontos sobre como produzir valor na ótica do cliente.

Anteriormente ligado à Apple e hoje consultor, autor e capitalista de risco, Kawasaki coloca em síntese alguns princípios práticos, coroados empiricamente por experiências de sucesso, e que podem dar muito certo em diversas situações semelhantes, ou que podem nada ter a ver com o contexto original – tal é a virtude da interdisciplinaridade, não só no campo teórico, mas também no campo da prática diária de gestão, em vertentes como prevenção de problemas, obtenção de soluções e na própria decisão.

Algo à semelhança de Umair Haque, comentado em O ESTADO DA ARS no dia 07 de julho passado, Guy Kawasaki possui esse perfil controverso, pulador da cerca da rotina do pensamento estratégico, mas nem por isso destituído de foco e sentido: bem pelo contrário, porque buscando novas faces escondidas pela rotina diária que costuma envolver técnicos, analistas, gestores e decisores. O artigo chama-se Os dez mandamentos do “evangelista” do empreendedorismo Guy Kawasaki , e fala de inovação: uma inovação inteligente, de ruptura. Abaixo alguns excertos (adaptados do original) que considero mais relevantes:





- Ofereça sentido, e não dinheiro. Como capitalistas de risco lidamos com muitas empresas que, via de regra, nos dizem aquilo que acham que gostaríamos de ouvir: como ganhar dinheiro. Pela minha experiência, a maior parte das empresas fundadas sobre o conceito de ganhar dinheiro costuma não dar certo. Elas atraem o tipo errado de sócio e de empregado. Em vez disso, diz ele, o empreendedor deve se preocupar em fazer com que seu produto ou serviço signifique algo mais do que a soma dos seus componentes — e do dinheiro que poderá vir a ganhar.

- Trabalhe com um mantra, e não com uma missão. Declarações insípidas e genéricas sobre a missão da empresa — “oferecer produtos e serviços de qualidade superior para nossos clientes e para a comunidade por meio de liderança inovadora e parcerias” — são boas apenas para o consultor contratado para desenvolvê-las. Em vez disso, prefira a concisão e defina a si mesmo com base naquilo que você quer significar para o cliente. A Nike oferece um “desempenho atlético autêntico”; a FedEx promete “paz de espírito”. Para que todos, dentro e fora da empresa, estejam unidos em torno do mesmo propósito, explique a eles a razão de ser da empresa e de que maneira ela atende às necessidades e aos desejos dos clientes.

- Pule as curvas. Inovar é mais difícil do que ficar simplesmente um pouco à frente da concorrência na mesma curva. Se sua empresa fabrica impressoras de margarida, o próximo passo não é a introdução do tipo Helvética em fonte de tamanho diferente, seu objetivo deve ser ‘pular’ para a produção de impressoras a laser. Isso é mais fácil de fazer em algumas empresas do que em outras. (…) A maior parte das empresas se define por aquilo que faz, e não pelo benefício que gera para o cliente. A verdadeira inovação aparece sempre que pulamos as curvas, e não quando nos esforçamos para melhorar 10% ou 15%.

- Trabalhe com designs exclusivos. Introduza características que não fiquem no trivial. As sandálias Fannin Reef trazem um abridor de garrafas incorporado ao desenho da sola. Há designs igualmente inteligentes, como o da lanterna BF-104 da Panasonic, que comporta pilhas de três tamanhos diferentes (…). Há designs que são completos, porque não se esgotam no produto: oferecem também suporte e serviço. Elegância também é fundamental. Toda empresa deveria ter um CTO — Chief Taste Officer, ou diretor de gosto. Também não pode faltar emoção. Bons produtos produzem emoções fortes: basta lembrar da Harley Davidson, do Macintosh.

- Não se preocupe em produzir um produto perfeito. Isto não significa fazer um produto ruim, e sim que “a inovação poderá conter elementos não muito bons”, disse Kawasaki. Há uma porção de coisas erradas no Twitter, mas ele está mudando o hábito das pessoas. O primeiro Mac tinha muita coisa para ser melhorada, mas ele deixou claro como seria o futuro da computação pessoal, e não precisou esperar muito por isso.

- “Cutuque” as pessoas. Sempre que você tenta dar conta de tudo para todo tipo de pessoa acaba resvalando para a mediocridade. O Scion xB da Toyota, com seu estilo “caixotão”, pode parecer feio para algumas pessoas, mas para os fãs é sensacional. O TiVo faz sucesso, apesar de deixar louca de raiva a indústria da publicidade.

- Não impeça as flores de brotarem. (…) As inovações poderão atrair clientes inesperados e imprevistos. Foi o que aconteceu ao creme para pele “Skin-so-Soft” da Avon, que acabou fazendo sucesso como repelente de mosquito. A regra número 1 consiste em conseguir o dinheiro. Regra número 2: descobrir quem está comprando seu produto. Pergunte a essas pessoas por que o estão comprando e dê a elas outras razões para comprá-lo. Isso é muito mais fácil do que perguntar às pessoas por que não estão interessadas e, em seguida, tentar mudar seu modo de pensar.

- Agite, meu amigo, agite sempre. Nunca deixe de melhorar seu produto ou serviço. Ouça as ideias dos consumidores. Não é fácil, porque o inovador ou o empreendedor deve sempre ignorar o conselho dos negativistas e dos simplórios, para quem quase tudo é impossível. Depois de feito, quando o produto chega às mãos do consumidor, é hora de começar a receber o feedback.

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Adaptado de newsletter Wharton-Universia 29-7 a 25-08-2009: Os dez mandamentos do “evangelista” do empreendedorismo Guy Kawasaki. Acesso em 29-07-2009.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Tendências: "The end of rational economics"

Há muito que a tradicional infalibilidade das ciências através de uma abordagem exclusivamente racional vem sendo posta em causa, apesar de continuar tendo seus fiéis seguidores: e, como ela, exclusivistas. Porém, aquilo a que se chama de “realidade” não se compadece de visões fundamentalistas e, no tecido econômico-social, sucedem-se modelos e paradigmas que, por sua abrangência restrita, acabam por mostrar-se insuficientes para assegurar uma harmonia relativa entre os atores que nela tomam parte; para não falar dos últimos alertas que chamam a atenção, igualmente, para o relacionamento da vida social e econômica com o meio ambiente. O que seria, não a aceitação de uma realidade imutável e de um modelo imutável de observação da realidade, mas a perspectiva de mudança de ambos, numa busca permanente da excelência relacional entre desenvolvimento econômico e qualidade de vida humana para todos.

Nos conceitos e práticas de Gestão, a tendência para quebrar o racionalismo e aprofundar todas as abordagens na busca de melhores soluções e da aproximação dos modelos com o ser humano como ele é realmente, já é muito mais do que tendência, pelo menos desde a metade do século vinte, entre um número importante de autores e, também, em muitas empresas em todo o mundo. Aconteceu quando os modelos mecanicistas de gerenciamento, por um lado influenciados e importados da Macroeconomia e das Engenharias e, por outro, das práticas do início do século XX derivadas da produção em massa e da “gestão científica” de Henri Fayol e Frederick Taylor (anos 20), começam a dar lugar à pesquisa e perspectiva do enfoque humano na organização, iniciada muito antes por Elton Mayo e as pesquisas de Hawthorne na Western Electric (anos 20-30), Herzberg e “The motivation to work” (1959), os trabalhos de Maslow, Lewin e McGregor, não falando nos desenvolvimentos das últimas décadas do século XX, entre outros, com Schein, Peters, Handy, Senge e, certamente, Drucker.

Mesmo assim, apesar de todos esses precursores, Dan Ariely confessa em 2008 was a good year for behavioral economics que antes da crise financeira de 2008, que se vem desenvolvendo durante 2009, era muito difícil convencer alguém que todos estamos sujeitos a tendências irracionais. O artigo do Prof. Ariely, The End of Rational Economics, que acaba de ser publicado na Harvard Business Review, fala dessa mudança de paradigma e propõe um aprofundamento da economia comportamental (Behavioral economics). Para ele, e ao contrário da crença tradicional sobre a racionalidade das decisões na economia, a economia comportamental tem base na premissa de que os seres humanos são fundamentalmente irracionais e motivados por inclinações cognitivas inconscientes, oferecendo uma visão radicalmente diferente sobre a forma como pessoas e organizações realmente funcionam.

Naturalmente, o que está em causa não é a recusa ou a destruição da racionalidade e a substituição de modelos de racionalidade por modelos de irracionalidade nas Ciências Sociais aplicadas, o que seria uma atitude algo fundamentalista e algo avessa às tendências contemporâneas; mas, sim, a assunção de que paradigmas e modelos puramente racionalistas cobrem apenas uma parte das chances de serem aplicados com sucesso a uma realidade humana que é meta-racional ou, se o quisermos chamar do lado da filosofia da Ciência, transdisciplinar. E onde irracionalidade não significa irrealidade, alienação ou falta de objetividade, mas sim uma parte da realidade que, sendo complexa e frequentemente imprevisível racionalmente, necessita também uma abordagem apropriada para ser entendida e gerenciada em todas as suas dimensões.

Seja como for, e no que respeita aos velhos modelos de planejamento estratégico, baseados na crença da racionalidade absoluta do ser humano, na infalibilidade dos modelos e na capacidade do modelo racional para prever os acontecimentos, temos aí um desafio importante que aponta para a necessidade de usar um pensamento estratégico livre de presunções rígidas sobre a organização (Ver artigo neste blog Estratégia e pessoas).

Referências:

ARIELY, D. The end of rational economics. In: Harvard Business Review. Harvard Business Publishing, July-August 2009, pp. 78-84.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Caras com algo por dentro: Umair Haque

Umair Haque é representante de uma nova geração de consultores, pesquisadores e autores de abordagens inovadoras em modelo de gestão, gestão estratégica, inovação, e abordagem ao mercado com um pensamento de descontinuidade, ou seja, não apegado às regras e conceitos estabelecidos.


Usando uma linguagem também inovadora, descontraída e desafiadora, Haque desafia mesmo (quase) tudo o que é tido como verdade consagrada nos conceitos e práticas de Gestão, enquadrando ao mesmo tempo este campo de atividade na problemática plurifacetada do mundo atual e seus problemas, crises e potencial de futuro. Não esquecendo a face humana, diga-se. Tudo isso dentro de um guarda-chuva conceitual que, em seu blog na HarvardBusiness chama de Edge economy, algo como, em tradução livre, Economia de descontinuidade ou de vertigem (edge = descontinuidade, beira de precipício).

Atualmente, Haque é diretor da consultoria estratégica Havas Media Lab e em 2004 foi fundador do Bubblegeneration, um gabinete de consultoria especializado na produção de agendas específicas de operacionalização estratégica para empresas de diversos setores, cujo trabalho foi reconhecido por publicações como a Wired, The Red Herring, Business 2.0 e BusinessWeek. Existe um rastro interessante de sua produção da Bubblegeneration, com diversos apontamentos multitemáticos, sob o nome genérico Strategies for a discontinuous future / Selected work 2004-2009.

Abaixo, links para alguns dos meus artigos preferidos de Umair Haque, que tentarei ter tempo para comentar logo que possível aqui n’ O estado da ARS.

> How Not to Manage Innovation
> Is Your Innovation Really Unnovation?
> Saving Strategy From the Strategists

Fotos: Creative Commons / Flickr


quarta-feira, 1 de julho de 2009

Um olhar alternativo: Rubem Alves conversa com empresários

Exerço a arte com prazer
- Rubem Alves

Por vezes, é saudável e enriquecedor obter leituras alternativas de nossas opções, produções e atividades específicas, feitas por pessoas com outras atividades específicas completamente diferentes. Atitude que se assemelha, algo assim, a uma empresa chamar um consultor externo de uma indústria diferente da sua, para obter um diagnóstico sobre a generalidade ou um dado aspecto de sua atividade; estranho? Para começo, talvez não tanto. Na realidade, “o outro” irá lançar, sobre o objeto analisado, um olhar com referenciais que também não são aqueles a que ele está habituado, e o diálogo entre eles soa a descoberta.

Quando duas realidades diferentes se olham, cada uma suspende as rotinas próprias de seu próprio território: é a perspectiva que está faltando, o olhar do outro, a interrogação que precede a descoberta. Com efeito, o “outro” irá mostrar, com outros olhos, aspectos surpreendentes de nossa própria realidade, escondidos por nossas próprias certezas imutáveis e nossa ilusória zona de conforto; e também por nossa própria incapacidade de ousar além da rotina.

Vamos tentar dialogar hoje com o educador, filósofo, escritor e psicanalista mineiro Rubem Alves, mas nem um pouco afastados dos ventos que sopram nos conceitos e práticas de ponta em Gestão estratégica. Veremos mais na frente por que, uma vez que pensamento estratégico e pensamento educacional constituem dois campos do saber sem aparente ligação, a não ser no que diz respeito ao ensino na área de Administração.

Há 50 anos atrás, tanto no mundo das empresas como no contexto da educação superior e produção científica, produzir semelhante declaração seria olhado como uma autêntica manifestação de heresia, se não fosse até, interpretada de um modo bem pior: como absoluta ignorância do cálido conforto, isolado e metodológico da especificidade disciplinar que é, afinal, a matriz do paradigma científico ainda atual, com poucas diferenças desde o século dezessete.

Apesar de baleados pelos olhares céticos, frios e imutáveis, remanescentes de uma Ciência que permanece vitoriana em muitos aspectos, existem hoje, na Filosofia da Ciência, modelos e paradigmas que já permitem, com uma boa margem de segurança conceitual e metodológica, não só integrar na pesquisa e interpretação dos dados a visão de outras disciplinas do saber (interdisciplinaridade), num contexto de um diálogo multidisciplinar cada vez mais intenso, mas também explorar o que existe no espaço, ainda indeterminado e desconhecido, existente entre a fragmentação das disciplinas e além delas, o que seria uma abordagem considerada transdisciplinar (NICOLESCU, 2000). Seja como for, encontra-se a caminho, sem dúvida, uma nova epistemologia, ainda de contornos indefinidos – e que talvez, propositadamente, nunca venham mesmo a ser definidos – cujas fronteiras entre teoria e prática, entre conceito e resultado, entre metodologia e empirismo serão bastante mais fluidas do que as de hoje sem, contudo, perderem profundidade na análise ou acuidade na penetração do eterno desconhecido a que, conformadamente, chamamos de “realidade”.

Com efeito, desde aproximadamente a segunda metade do século vinte, começaram a emergir outras visões e paradigmas sobre epistemologia, conceito e metodologia científica. E, em simultâneo, tal como sucedeu com outras áreas e campos do conhecimento, sobre a natureza, papel e desempenho da Administração que – talvez possa dizer-se – ressuscitou como Gestão (Management) ao longo desse período. Com efeito, a Gestão contemporânea constitui um centro complexo de conceitos e práticas cujos contornos atuais diferem absolutamente da “Administração” clássica. No processo de transfiguração da Administração clássica para a Gestão de hoje contribuíram inúmeros autores, de diversas proveniências e continentes, de McGregor a Mintzberg, de Drucker a Prahalad, de Maslow a Porter, alguns mais heréticos, outros não tanto, mas que no conjunto, por sua visão aberta, pensamento penetrante e coragem para romper paradigmas e assumir as consequências, ajudaram a modelar as bases do que está já sendo conhecido hoje internacionalmente por “Management 2.0”: a Gestão 2.0, ou Gestão do Futuro (HAMEL, 2007). E que, repita-se, pouco tem a ver, a não ser em suas remotas origens, com o que muitos profissionais, estudantes e até professores chamam de “Administração”.Voltando ao objeto principal deste artigo: Rubem Alves.

No Brasil, muitos desconhecem e muitos conhecem Rubem Alves (biografia), sobretudo a partir do mundo da educação e da literatura infantil, ou de entrevistas na mídia. Filósofo da vida bem vivida (carpe diem), filósofo da educação, educador filósofo; filósofo das letras, jogando e divertindo-se com elas, como uma criança se diverte com uma pipa colorida; místico filosófico sem praia exclusiva ou reservada; autor, observador, ator e personagem do Zeitgeist, Rubem Alves é produtor de um pensamento alternativo, aqui no sentido mais elaborado do que o comum: o educador que pensa e se repensa constantemente, e se desdobra em diversos “outros”, capazes de se olharem mutuamente sem, porém, perderem a noção da individualidade. E porque o próprio termo “alternativo” se origina no latim “alter” que significa, justamente, “o outro”. Talvez por isso, e porque em busca de diversas objetividades não conflitantes com a Ciência, mas além dela, que Rubem Alves tanto admira e cita Fernando Pessoa, sobretudo com Alberto Caeiro um dos heterônimos pessoanos. E tudo isso, numa altura em que, não muito longe dele, no universo mental dos rebeldes intelectuais urbi et orbi, muitos gurus da Gestão, já incorporado nesta o pensamento estratégico permanente, advogam a inovação permanente como condição sine qua non para a sobrevivência das empresas: porém, não qualquer inovação superficial sujeita à moda, mas inovação nas crenças e princípios básicos da própria gestão (como “Administração”), como sugere Hamel:

Você por exemplo, acharia provavelmente mais fácil ajustar suas preferências relativas à moda, do que mudar suas convicções religiosas. Da mesma forma, a maioria dos executivos acha mais fácil reconhecer os méritos de um modelo de negócios completamente fora do comum, do que abandonar os princípios fundamentais de suas crenças em matéria de gestão. (HAMEL 2007, p. 34)

Justamente, é este olhar desconstrutor de pensamentos consolidados sobre isto e aquilo, capaz de reinventar e inovar sem limites, que pode aplicar-se a quase tudo na vida dos indivíduos ou das organizações, inclusive na educação de crianças e de adultos, que se encontra permeando a obra de Rubem Alves e que, mais do nunca, é necessário, não só para a boa gestão das organizações, mas para lidar com as sociedades complexas de hoje, no sentido que Morin dá ao termo: «Complexo é o que é tecido em conjunto». Numa entrevista concedida à revista do SINPRO-RS em março de 2002, Rubem Alves declara:

[...] o maior problema da educação brasileira: ela não está ensinando o povo a pensar. O objetivo da educação é ensinar a pensar, não é dar informações. As informações são como a peças de um jogo de xadrez. Quem só tem as peças não sabe coisa alguma. O que importa é a dança das peças nos espaços vazios. Assim é o pensamento. Conheço pessoas que sabem uma infinidade de coisas – parecem-se enciclopédias – mas não sabem pensar. O seu saber é inútil.

Particularmente, é em Conversa com empresários que Alves mostra seu olhar atento às coisas importantes que, no mundo atual, estão em mutação, em metamorfose, conversando sobre o que chama de “filosofia das empresas” e, justamente, com uma excelente nitidez, contemporaneidade e poder de observação. Do mesmo modo, nunca talvez como hoje a Gestão e a problemática geral das organizações foi tanto campo de encontro transversal e interdisciplinar entre filosofia e pensamento, entre teoria e prática, a ponto de o grupo de gurus que nos dá conta Hamel (25 Stretch goals for management) em seu blog na Harvard Business preconizar mudanças… surpreendentes na filosofia e gestão das empresas e outras organizações. Ficamos com a visão de Rubem Alves sobre o que está acontecendo de (r)evolucionário no mundo da empresas e, por conseguinte, da gestão delas, numa perspectiva, aliás, que se identifica também com os conceitos e tendências atuais no que respeita a Governança e Responsabilidade Social das empresas e organizações:

A filosofia das empresas passou por três fases. A primeira é representada pelo filme Tempos Modernos, de Chaplin - em que a única coisa que interessava às empresas era o lucro: nenhuma preocupação com a vida dos empregados, que eram tratados como engrenagens de uma máquina; nenhuma preocupação com o meio ambiente, que podia ser degradado impunemente. É a empresa "máquina".

A segunda fase está descrita no livro The Organization Man, de Whyte Jr. - em que a empresa descobre a importância de que seus empregados se sintam bem dentro dela. Fazem-se todos os esforços no sentido de que eles tenham relações harmoniosas entre si e se identifiquem afetivamente com os interesses da empresa. A empresa deve ser o mundo do empregado e a imaginação do empregado deve estar restrita ao mundo da empresa. É a empresa "família", auto-suficiente e fechada em si mesma.

A terceira fase, que é a que estamos vivendo no momento, se caracteriza por uma revolução de valores. Se, na primeira e na segunda fases a empresa olhava para o mundo exterior apenas como "mercado", isto é, lugar do lucro, agora ela olha para o mundo exterior como um espaço de vida de que é preciso cuidar. Às relações comerciais agrega-se agora uma dimensão ética: o cuidado com o meio ambiente, a cultura, a educação, o bem-estar, não só dos empregados mas de toda a comunidade que a cerca.

A empresa se descobre como companheira, junto com outros homens, de um espaço comum que deve ser objeto de cuidado, pois o que está em jogo é a qualidade de vida. É a empresa "cuidadora" ou, se quiserem, numa linguagem poética, empresa "jardineira"... Gosto da imagem da jardinagem como metáfora para essa relação de cuidado com o meio ambiente e com as relações entre as pessoas. Isso quer dizer que, ao lado do motivo financeiro "lucro" as empresas estão trabalhando sob motivos éticos.

Penso que os empresários, como "regentes de orquestra", poderiam pensar um programa educativo para os seus "músicos" em três movimentos:

Primeiro movimento: "A empresa: lugar bom de se viver".
Segundo movimento: "A empresa: lugar bom de se pensar..."
Terceiro movimento: "A empresa: cuidadora do mundo".


(ALVES, R. A casa de Rubem Alves: Carpe diem. Conversas com empresários. Disponível em http://www.rubemalves.com.br/conversacomempresarios.htm. Acesso em 10-06-2009).



Referências:

A CASA DE RUBEM ALVES. Sítio na internet. Disponível em http://www.rubemalves.com.br/ . Acesso em 10-06-2009.
DRUCKER, P. F. The Practice of Management. 5ª Ed. Londres: Pan Books, 1972.
DRUCKER, P. F. Desafios gerenciais para o século XXI. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1999.
NICOLESCU, B. Um novo tipo de conhecimento - Transdisciplinaridade. In: NICOLESCU, B., PINEAU, G., MATURANA, H., RANDOM M., e TAYLOR, P. Educação e Transdisciplinaridade. Edições Unesco: Brasília, 2000. p. 13-29.
HAMEL, G. The future of management. Boston: Harvard Business School Press, 2007.
HAMEL, G. 25 Stretch Goals for Management. HBR voices: Gary Hamel. Harvard Business Publishing. Disponível em:
http://blogs.harvardbusiness.org/hbr/hamel/2009/02/25_stretch_goals_for_managemen.html . Acesso em 14-06-2009.

Crédito das fotos de Rubem Alves: Editora Papirus (topo); Revista Época (abaixo)


Algumas entrevistas estimulantes com Rubem Alves

sexta-feira, 26 de junho de 2009

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Não tem mais leite em pó (ou um problema de visão)

Ao longo do artigo anterior, que serve de introdução ao tema deste, o leitor menos atento poderá ficar persuadido de que estou defendendo a anarquia nas organizações, a morte da hierarquia, ou alimentando qualquer nova filosofia de rebeldia esclarecida por parte dos executivos. Nada disso.

Com efeito, toda estrutura humana necessita de uma organização e de uma estrutura de atribuição de responsabilidades; o que pode não necessitar, é de paradigmas e estruturas que foram gerados em épocas que já sumiram no túnel do Tempo, e que a eles estavam adaptadas; por exemplo: apenas um pensa e os outros executam. Se puder dizer-se que os modelos ditatoriais e autoritários desapareceram de nosso horizonte histórico, político e social, eles sobrevivem ainda em muitas organizações e nas práticas de gestão públicas e privadas.

Muito bem, essa introdução serviu de leitmotiv para firmar uma única certeza: a de que a ampulheta de Chronos deu mais uma volta sobre seu eixo milenar, e que estamos em outros tempos, como os homens do emergente Renascimento europeu, na época – que não se identificavam com Maquiavel - , já haviam conscientizado e sentiam em relação à Idade Média, anunciando que uma outra época estava a caminho, como está patente naquele célebre soneto de Luís de Camões:

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o Mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Pode não parecer à primeira abordagem, mas o problema de visão que estou trazendo hoje como título de postagem relaciona-se com o paradigma Testa de ferro de um modo muito estreito. Há dias atrás, numa visita a uma empresa, deparei na sala de espera com uma daquelas máquinas automáticas de café expresso que servem uma beberagem com base em Nescafé, e não exatamente aquele cafezinho gostoso que conforta os dias de Inverno do sul catarinense. Mesmo ciente do fato, enquanto esperava, decidi pedir um café à maquininha; dirigi-me a ela e, quando o dedo já ia escolher a quantidade de açúcar e a opção da bebida deparei com uma folha A4 servindo de letreiro, colada sobre o visor e os botões de seleção, onde estava escrito: “Não use esta máquina – não tem mais leite em pó”.

Imediatamente, o meu cérebro começou a fazer as devidas associações automáticas, derivadas do conflito entre a pretensão ao prazer e a inibição dele; e, muito bem, deduziu que, se o problema era leite, não haveria necessariamente um problema, visto que o café que eu pretendia tomar era café preto. Café preto não precisa de leite em pó. O letreiro dizia para não usar a máquina, mas a máquina oferecia dois tipos de café preto, chá e, claro está, café com leite. Portanto, conferia: não fazia sentido não usar a máquina só porque não tinha leite em pó. Já decidido pela via da experimentação, na tentativa de ultrapassar a aparente inibição, tirei um copo, coloquei-o no lugar, levantei a inibidora folha A4 que se encontrava de advertência, cliquei minha seleção nos botões e, entre ansioso e curioso, esperei o que iria passar-se a seguir. Nada de mais: o cafezinho saiu para o copo, tranqüilo, todo normal, como em qualquer outra máquina onde não existe letreiro.

As reflexões sobre este episódio podem ser mais ou menos explícitas ou prolongadas. Porém, no âmbito da gestão das organizações, elas são muito ricas, justamente, como fonte de reflexão. Em primeiro lugar, fica logo claro que a visão do funcionário ou funcionária que escreveu o letreiro é incapaz de transportar-se de sua escala para outra: seus interesses pessoais não conseguem visualizar os interesses dos demais. O negócio dessa pessoa, no que respeita bebida de máquina automática, é café com leite, e esse é seu mundo: não existe outra opção. Poderá deduzir-se, talvez sem muita margem para erro, que essa pessoa reproduzirá esse modelo mental em tudo o que ela faz. O mundo tem o tamanho e a forma de seu mundo sensorial.

Semelhante padrão é humano, é comum até; mas, felizmente, não é, nem universal, nem definitivo. Toda visão individual sobre o mundo identifica o mundo com seu horizonte individual; mas qualquer visão humana também pode mudar, erguer-se de seu pequeno mundo a um mundo mais largo; desde que se torne ciente que tem qu emudar. Assim, uma pessoa com visão larga, profunda, ampla, tende a observar o mundo e a agir com maior profundidade e amplitude, mais antenada com a realidade. Por seu lado, uma pessoa com visão curta e estreita vai dimensionar o mundo dentro de sua dimensão: pior ainda, se essa pessoa está em condições de liderar outras, sua organização, suas opções, suas decisões vão ser enquadradas num limite estreito: essa organização vai passar pelo crivo do risco.

No que diz respeito às necessidades das organizações em executivos, obviamente que os tempos de hoje, que são tempos complexos e com múltiplas variáveis em múltiplas camadas, que se associam e dissociam com grande rapidez e volatilidade, ninguém deveria contratar alguém para semelhante cargo com uma visão do tipo “Não tem mais leite em pó”. Mas ainda acontece justamente o contrário. O elevado índice de empresas e investimentos, grandes, pequenos e médios, que não dão certo, está radicado, em grande medida, em visões curtas e estreitas demais para a real dimensão do mundo, dos negócios, do mercado, do conhecimento, e assim por diante.

Certos líderes e decisores tomam o mundo real à medida de seu pequeno mundo e agem como se o mundo, o mercado, o potencial possível fosse apenas esse, o de sua visão. Por isso, e muito menos por causas externas, muitos investimentos e novos projetos não dão certo. Pior ainda, se forem políticos, que seriam os responsáveis pela administração da causa pública; infelizmente, políticos não são administradores, nem mesmo maus administradores – não será exagerado considerar, até, que a maior parte dos políticos profissionais não sabe o que é administrar; sua visão está focada apenas em interesses pessoais e no impacto de seu exibicionismo junto de uma clientela política cada vez mais cética.

Portanto, i
nvestidores, empresários e gestores que não se tocam para os limites de seu pequeno mundo pessoal, também não têm a noção do valor dos produtos e serviços de suas organizações para os próprios clientes: eles pensam que o negócio é vender o que eles querem vender, não necessariamente o que os clientes potenciais realmente valorizam e estão interessados em comprar. Eles acham, como os antigos comerciantes, que os clientes precisam deles, são dependentes deles, quando é exatamente o contrário que se passa: são eles que são dependentes do mercado. E as empresas fecham, fecham e fecham. Pura e simplesmente, em muitos casos, o empresário não tem noção do gap entre sua visão pessoal e a amplitude do mundo real.

Então, quando as organizações são levadas a definir ou a rever suas declarações de Missão, Visão e Valores, elas não executarão bem a tarefa se estiverem presas no paradigma “Não tem mais leite em pó”. Justamente, porque o que está em causa pode ser café preto, ou chá, quando a visão apenas enxerga café com leite. A visão de quem decide numa organização deve encontrar-se muito além do negócio, do setor em que atua, da quadra, do bairro, da cidade, da região. E do pasto das vacas sagradas. Por isso o grupo “Management renegade brigade” do qual fazem parte Hamel, Senge, Mintzberg, Argyris e muitos outros, insiste na visão sistêmica da organização, dentro e fora dela. Cada vez mais, uma visão empresarial ou organizacional curta, estreita e estática é um sério fator de risco para ela mesma.

Gestores, técnicos, decisores, devem ser selecionados mais pela amplitude de sua visão de mundo do que por seu currículo técnico ou por seu grau de confiança pessoal com quem os contrata. Pessoas de confiança pessoal são sempre necessárias nos altos cargos, mas não são necessariamente os melhores conselheiros, os melhores decisores, os melhores empreendedores internos na organização. Políticos escolhem pessoas de confiança, mas freqüentemente vocacionados para cargos do tipo testa de ferro. A prospecção e seleção de gestores, técnicos superiores, decisores ou futuros decisores deve, portanto, seguir um balanceamento, um equilíbrio adequado de critérios, dentro dos quais a capacidade de visão de mundo e do negócio dentro e fora de seu contexto deve estar logo em primeiro lugar ou muito perto dele.

Quando não tem mais leite em pó, é sempre bom ter alguém que prefere café preto e que levante um tabu para que a máquina funcione, quando parecia não funcionar. Aliás, as grandes descobertas da Humanidade foram feitas desse modo, desafiando e quebrando tabus e paradigmas, aceites por quase todos como proibidos ou imutáveis. E raras vezes o foram por acadêmicos. Coincidência? Mas essa seria outra conversa.

O testa de ferro - uma breve análise do paradigma das velhas sociedades e organizações


Crédito da imagem: http://www.brasilescola.com/


Todos já ouviram alguém falar, inclusive como se fosse algo comum, ou legítimo, ou até moderno, que os executivos nas organizações são tanto mais eficazes, quanto melhor cumprirem, a qualquer custo, as ordens da hierarquia. A antiga expressão “Testa de ferro”, em sua possível origem italiana, com Emanuele Filiberto de Sabóia (século dezesseis) seria perfeita para esse modelo de executivo, vamos dizer… bem ao gosto de Maquiavel. E também dessa época.

Como se sabe, testa de ferro é alguém que ocupa um lugar de liderança sem deter, efetivamente, o respectivo poder de autonomia ou decisão; na realidade, ele age apenas a mando de um outro, e é remunerado para agir com eficácia, para cumprir (executar) ordens sem pensar ou ponderar a natureza e o objetivo delas. Aliás, o próprio termo “executivo”, com o qual nos familiarizamos desde há muito, fala logo tudo sobre as remotas origens dele: executivo é aquele que executa. Executa o que? Supostamente, o que alguém fala para fazer.

Porém, uma questão se coloca desde logo: o executivo do século XXI deverá identificar-se com quem e o que? Com o velho testa de ferro decorrente de O Príncipe de Maquiavel, e todos os modelos de organização, de poder e de liderança ainda remanescentes, na atualidade, de tempos antiquíssimos? Ou com algo diferente, que já tomou forma com a evolução das sociedades humanas ao longo de todo o século vinte? Mais ainda, que é mesmo exigido por um ser humano diferente em sociedades humanas também já diferentes, às quais podemos chamar indiferentemente de "Sociedade da Informação", "Sociedade pós-moderna", "Sociedade do conhecimento", etc.

É sobre tudo isso que me proponho conversar hoje, como introdução que entendi necessária para o artigo seguinte: Não tem mais leite em pó (ou um problema de visão). Visão humana nas organizações, visão de mundo, visão de fundo e de periferia, amplitude dessa visão. Visão aparente, visão da realidade, visão cognitiva. Pois bem, nesse próximo artigo vamos analisar como a visão de mundo das pessoas nas organizações pode condicionar, para melhor ou pior, para o sucesso ou o fracasso, a vida das organizações, sua estratégia e sua capacidade concretizar seus objetivos... quando eles existem... E o que vem a ser a falta de pensamento e ação estratégicos, senão um... problema de visão?

A crença abordada acima, essa crença na sacralidade do cumprimento cego de instruções, não possui apenas como paradigma a situação, algo extrema, do testa de ferro. Poderíamos, por exemplo, assimilá-la a uma outra figura típica do mundo do trabalho: o capataz. O capataz é o que manda trabalhar os outros, que assegura ao dono da obra que ela está sendo realizada; em certo sentido, é o mesmo testa de ferro, embora com um modelo menos sofisticado. Outro exemplo: no interior do Brasil e, provavelmente, em outros países - mas não muitos - ainda existe o cabra, o jagunço, que age a favor do mandante. Nesse caso, o cabra é o executivo... ou executor do crime. Para o mandante, porém, não se trata de um crime, mas de um pequeno ajuste, algo absolutamente normal, natural; é normal, porque faz parte de sua cultura, algo que não se pensa nem discute – é assim mesmo. Encerrado dentro de um poço cultural remanescente de um passado remoto, o mandante, o coronel continua funcionando em sistema fechado, à margem de uma sociedade constitucionalmente democrática, humanista, contemporânea. E resistindo ao tempo.

Situação algo semelhante ocorre no contexto da organização militar, dentro da qual a disciplina também não pede ou, sequer, permite que alguém pense sobre o que está fazendo; ela simplesmente impõe que alguém execute com eficácia as ordens que recebe, e é tudo. Dentro desse mesmo paradigma da velha sociedade autoritária, que ainda resiste nos dias de hoje, encontra-se a sobrevivente hierarquia religiosa e sua inerente proibição, aos indivíduos, de desenvolver idéias próprias, que não estejam nos limites do dogma, o mesmo dogma que o povo segue, manso e submisso. Mais casos? O leitor deverá ter assistido a "O poderoso chefão”, de Francis Ford Coppola, com o mítico Marlon Brando no papel de Don Vito Corleone, o irredutível capo da Máfia, imaginado por Mario Puzo: aí se encontra uma matriz hierárquica onde entram em cena mais do que um testa de ferro, cabras e mandantes, numa trama complexa no meio da qual apenas os chefões pensam e dão ordens. Uma vez mais, grupos humanos sobreviventes de sociedades muitos antigas, arcaicas, vivendo como ilhas em um século vinte já iluminado por um humanismo voltado para uma outra ordem ética e social.

De um modo geral, todos somos ainda herdeiros diretos de estruturas, modelos, relações e funções de poder e de organização institucional que apelam ao cumprimento cego de ordens e instruções; e que, ao mesmo tempo, proíbem, ou, pelo menos, desincentivam a função pensante e a individualização da pessoa humana como capaz de desenvolver sentimentos e idéias próprias. Não admira, portanto, como identificou Alain Touraine que a realidade política e social em nossa sociedade esteja ainda hoje bipolarizada entre extremos, ambos incapazes de libertar-se de um modelo massificador, engessado e autoritário de sociedade, sem "atores sociais autônomos":

Os liberais nos convidam a nos livrarmos de uma excepcionalidade que julgam incômoda e nos deixarmos guiar pelos mercados. Do outro lado, a extrema esquerda contenta-se com denunciar a dominação e falar em nome de vítimas que estariam privadas do sentido de sua situação. […] Estas duas posições opostas, que se poderiam chamar “pensamento único” e “contrapensamento único”, têm em comum algo essencial: nem uma nem outra acreditam na formação de atores sociais autônomos, capazes de exercer influência sobre as decisões políticas (TOURAINE, 1999, p. 7-8).

Estamos tratando de relações de poder nascidas em tempos antigos e mantidas até hoje em contextos muito próprios, algo isoladas da mainstream da contemporaneidade. Não é algo novo nem surpreendente, apesar de ainda estar vivo na alma do povo: elas vêm da origem das sociedades humanas e atravessaram, com sucesso, o tempo dos grandes e pequenos impérios, quando o imperador, o rei ou monarca absoluto era a única e legítima cabeça pensante e, em seu esclarecimento inquestionável, exigia que suas idéias e resoluções fossem cumpridas com absoluta exatidão, no mais ínfimo detalhe. Para tanto, eram necessários testas de ferro e funcionários zelosos, quanto menos inteligentes, quanto menos pensantes, melhor.

Os pensadores da Revolução Francesa, no século dezoito, imbuídos dos ideais iluministas, quiseram romper esse paradigma e conseguiram até certo ponto mas… logo o sentido da História se inverteu e, pouquíssimos anos depois, veio Napoleão Bonaparte, misto de ditador e general, levando a França a pesadas derrotas externas e internas. Não a glória (efêmera, embora eterna nas pinturas de Louis David), mas a queda de Napoleão foi o primeiro grande sintoma do final da longa era dos grandes impérios e das sociedades lideradas por ditadores; e do ser humano massificado, sem nome, sem rosto, sem instrução, sem direitos, sem discernimento nem opinião.

Sem dúvida, o século vinte legou à civilização humana, tanto no Oriente como no Ocidente, um novo tipo de sociedade, ainda em protótipo, onde cada pessoa é, finalmente, gente. Gente que é ao mesmo tempo um ator social e um autor em potencial: um complexo individual capaz de reflexão autônoma, de buscar sua felicidade e realização pessoal - desde que não esmagando ou sacrificando outros para fazê-lo, bem entendido -, em busca lícita e permanente por uma qualidade de vida física e intelectual, como cidadão do mundo ou cidadão da aldeia global. E, supostamente, com organizações capazes de contribuir para seus próprios interesses, mas dotadas de objetivos maiores e mais nobres do que eram no passado (HAMEL, 2009) e onde o ser humano busca sua realização e felicidade ao mesmo tempo que identificando-se com os objetivos da organização, como trabalhador do conhecimento (DRUCKER, 1967 e 1969) - tal como havia sido previsto e conceituado, há mais de 40 anos atrás, pelo notável austríaco que é chamado de Pai da Gestão .

Posto isto, que tal um cafezinho? Só café preto, porque... não tem mais leite em pó.

Referências bibliográficas:

TOURAINE, A. Como sair do liberalismo? Bauru: EDUSC, 1999.
HAMEL, G. Moon shots for management - What great challenges must we tackle to reinvent management and make it relevant for a volatile world? In: Harvard Business Review. Harvard Business Publishing, Fev. 2009, pp. 91-98.
DRUCKER, P. F. The Effective Executive. New York, NY: Harper & Row, 1967.
DRUCKER, P. F. The Age of Discontinuity. New York, NY: Harper & Row, 1969.